quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A D. Fernanda


Ninguém gosta de ficar internado. Ou se está doente, ou para lá se caminha, e mesmo quando os filhos vão nascer é uma viagem com desejo rápido de regresso a casa. Mas se tem que ser, e foi o caso, assim seja. Por uma noite. Só uma noite. Não me deu o sono até me pedirem que engolisse de uma só vez dois comprimidos. Fique descansada,  são só para ficar meia sonolenta. Comecei logo a pensar: mau...agora vão fazer-me perguntas e eu no embalo ainda respondo segredos meus. Engoli. Seja o que deus quiser. O resultado esperado aconteceu, fiquei sonolenta. Foi então que prometi descansar, e ler até subir para o bloco operatório. Dá-me licença, vai ter aqui uma companhia ao seu lado, diz a enfermeira ao entrar no quarto com um sorriso nos lábios. Olhei,  vi uma senhora pousar no chão a sua mala azul de cadeado brilhante, o que me levou logo a crer ser uma mulher prevenida. E pensar eu que devia ter arranjado um cadeado para a minha pequena mochila... Não está com cara de doente?! Não, não, é coisa sem grande importância. Vimos as duas para o mesmo então, diz a minha companheira de quarto. "Companheira de quarto" é uma expressão tão militar, nunca fui à tropa mas sinto-a assim. Pois, disse eu. É a vida, diz a D. Fernanda. Mulher de cabelo vermelho, grande porte, voz clara e com tom bastante audível. A minha filha é que devia estar aqui, mas desteta hospitais. Foi desde o pai, mas eu digo-lhe: Carla tens que ultrapassar isso na tua ideia. A minha Sandra é diferente, essa vai logo onde tem que ir. E tem que ser assim, não acha? sim, sim, claro. Sentada na minha cama, marco o livro com os meus óculos e fico a olhar para esta mulher que fala enquanto olha pelo vidro e deixa o cotovelo entregue ao parapeito da janela. O pai era muito amigo delas, continua... e bom homem que era. Trabalhou a vida inteira atrás de um balcão. O patrão até dizia que ele não era um empregado, ele era um filho da casa! Coitadinho, sofreu dois meses e depois olhe...ficamos cá nós.  Quando me pediu em casamento é que foi, o que ele afinou com o meu pai: "então você é o tal rapaz que trabalha no rei das peúgas?" O que ele foi dizer ao meu marido, uma vida a trabalhar no rei das meias, um orgulho para ele e para nós(risos). E o avô que ele era...  as netas adoram-no. O que me salva é o trabalho, são as minhas colegas e as netas e isso... A D.Fernanda foi falando, eu fui ouvindo , o seu olhar parava lá fora quando falava do marido que perdeu há dois anos, mas que toda a vida se lembra  estar a seu lado. As netas, as colegas do seu trabalho, até do genro da filha mais nova... ainda sorrimos as duas, ainda lhe disse algumas das minhas parvoíces. Voltamos a sorrir. Quando voltei ao quarto a D. Fernanda já tinha saído. Não lhe desejei as melhoras e a ultima vez que nos cruzamos foi quando eu saí do bloco operatório e ensonada lhe desejei boa sorte. Gostei tanto de conhecer a D.Fernanda! Foi só uma noite, coisa sem importância.

3 comentários:

Remus disse...

Mau! Agora também faz vida de hospital?
Como a Clarice não dá ponta sem nó, o que é que decidiu gamar por lá? Estetoscópios, para depois conseguir abrir os cofres, como fazem nos filmes?
Luvas plásticas, para depois não deixar impressões digitais?
:-)

Seja o tenha ido lá fazer, espero que já esteja completamente recomposta e pronta para dar os seus golpes de surripianço.

PS: António Lobo Antunes??? Acho que podia ter arranjado/levado uma companhia muito melhor.

Rute disse...

Gostei muito da D.Fernanda...e dos 'disparates' do REmus:)

Bjinhos

Remus disse...

Ai é!!?!? Agora são disparates?

Minha cara Rute:
Está mais que documentado por esta Internet fora, que esta "senhora Clarice" é uma mestre do surripianço. E também está mais que documentado, que esta "senhora Clarice" não dá ponta sem nó. Se foi ao hospital ou foi para roubar algo ou foi para ter um caso sórdido com um médico ou enfermeiro jeitoso. A D. Fernanda foi só para despistar. É que eu entretanto soube, mas que ainda carece de confirmação pelas minhas fontes, que esta "senhora Clarice" tem um fetiche por homens com batas médicas. Então se forem vestidos com aqueles fatos azuis ou verdes de cirurgia, ainda melhor...
Abra os olhos cara Rute. Esta "senhora Clarice" não é flor que se cheire. Até já ouvi dizer que ela tem sonhos "quentes" com o Cavaco...
:-P